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“Se as tuas fotos não são suficientemente boas, é porque não estás suficientemente perto”

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terça-feira, 6 de setembro de 2011

Resenha - Muito além do cidadão KANE




Resenha : Além do cidadão Kane.

"Documentário denúncia o monopólio da informação exercido no Brasil pela mídia em geral e pela rede Globo em particular".

O filme foi produzido de forma independente com apoio da BBC, TV pública
britânica, e se baseia nos trabalhos de Romero Machado “A fundação Roberto
Marinho” e Daniel Herz “A história secreta da Rede Globo”, que documentam
os processos de formação e funcionamento da referida empresa.
O título busca associar Roberto Marinho, considerado o marechal civil do golpe
de 1964, ao personagem de Orson Welles, protagonista do filme “Cidadão
Kane”.
O filme foi finalizado e disponibilizado em 1993, portanto, após a constituição
de 1988. Mesmo assim, “Além do cidadão Kane” sofreu diversas formas de
restrição, inclusive a proibição de sua exibição em espaços públicos.
De fato, antes da popularização da internet, era muito difícil encontrar uma
cópia. Porém, a audácia da iniciativa e a urgência do tema sempre motivaram uma
pequena legião de pessoas a reproduzi-lo e divulgá-lo, não unicamente pelo
conteúdo em si, mas também pela forma, pelo poder de edição. É o uso da TV
contra a TV.
Em certo sentido, o filme representa a verdade censurada em rede
aberta, aquilo que "não pode" ser exibido sem uma mudança expressiva no cenário 
político nacional e, justamente por isso, talvez a impulsione.
Deste modo, podemos considerar “Além do cidadão Kane” um importante
exemplo de contrapropaganda.
Quando falamos em monopólio da informação,
tratamos de um mecanismo complexo. Devemos perceber que este não se
limita à esfera da produção e se exerce principalmente sobre a circulação e
sobre a massificação das obras.
Em outras palavras, além de dominar os meios de realização, a mídia
comercial tenta a todo custo dificultar a difusão de produções independentes.
Durante a década de 90, com o fortalecimento da liberdade de expressão,
os monopólios foram obrigados a algumas mudanças estratégicas, que
basicamente alimentaram sua capacidade de incorporar iniciativas dotadas de
potencial crítico.
Atualmente, a televisão vem perdendo espaço para outras formas de mídia,
mas se mantém como veículo de comunicação hegemônico no país.
A TV é encantadora, pois estabelece uma relação de suposta intimidade com
o telespectador, como se lesse seus pensamentos e atendesse seus desejos.
Assim, povoa a imaginação de milhões de pessoas, reproduzindo valores
simbólicos numa escala industrial, sem estímulo a qualquer tipo de reflexão.
A programação televisiva tem como objetivo principal “esvaziar” o senso crítico
de quem assiste, deixando “mentes livres” para que a publicidade estimule o
fetiche da mercadoria, próprio do capitalismo.
Tal qual o espelho da bruxa de “Branca de Neve”, a televisão busca parecer
onisciente, onipotente e onipresente sobre a vida cotidiana do telespectador,
explorando nossas vaidades, curiosidades e emoções. Quando não estamos
interados de sua programação, nos sentimos deslocados, excluidos como se vivêssemos em um "outro mundo"  incapazes de uma sociabilidade que parece tão espontânea e divertida.
Na televisão os sonhos podem realizar-se desde que tenhamos submissão aos
seus desígnios e princípios, isto é, que reconheçamos seu papel de "janela da verdade",  que sejamos “de fato” merecedores de suas graças. Através da TV, ser “artista de novela” ou jogador de futebol se converte
numa utopia para a classe trabalhadora.
O documentário propõe essa reflexão e aponta como a criação da Rede
Globo foi mais do que uma simples concessão pública, pois fazia parte
do projeto de “modernização e integração nacional” da ditadura militar,
contando, é claro, com o apoio de capital norte-americano, especificamente do
conglomerado “Time Life”, atual “Time Warner”.
De certa forma, podemos afirmar que se outras oligarquias (Mesquita, Frias,
Civita) apoiavam a ditadura, a rede Globo era a ditadura, ou pelo menos, seu
departamento de propaganda.
O regime militar nunca precisou censurar a rede Globo.
O controle da informação constante no AI-5, pretendia simplesmente impor à
toda imprensa a mesma linha político-ideológica da empresa dos Marinho. Não
por acaso, ainda hoje nos editoriais “jornalísticos” podemos ouvir os ecos da
doutrina da “segurança nacional”, na qual as mobilizações dos trabalhadores
são deslegitimadas e tratadas como ameaças à ordem, ao bem-estar social e ao
progresso.
Na obra destacam-se alguns momentos simbólicos da interferência
da rede Globo na vida política brasileira: a distorção na cobertura do
movimento “diretas já”; a tentativa de falsificação do resultado das eleições
fluminenses, conhecida como caso “Proconsult”; e a edição do debate final
entre Lula e Collor em 1989.
Estas manobras, típicas de golpes de estado, são razões para a não
renovação de qualquer concessão pública, mas, no Brasil, esta rede é
considerada “sagrada” e continua recebendo volumosas verbas de publicidade
estatal e generosos financiamentos do BNDES.
A visão “jornalística” da rede Globo coloca sempre seus interesses políticos e
empresariais no topo da lista de prioridades, mesmo em detrimento da notícia.
Recentemente, durante a cobertura da cerimônia de posse de Dilma Roussef, a
TV dos Marinho interrompeu abruptamente a transmissão no momento em que
Edir Macedo, dono da TV Record, cumprimentava a presidenta...
Contudo, é na programação cotidiana que o papel pernicioso da Globo se
mostra mais efetivo: para cada minuto de programação educativa, a TV
brasileira exibe horas de banalidades e preconceitos.
A regra é simples: repetir exaustivamente futilidades e posições políticas
maquiadas de informação, ao mesmo tempo que esconde tanto quanto
possível os conteúdos realmente relevantes
Uma boa parte da grade horária é mera tradução da produção de suas
matrizes norte-americanas. Os programas próprios são marcados por uma
mentalidade colonizada, ufanista, profundamente elitista e racista. Um Brasil
não-europeu é mostrado como um lugar distante, exótico e atrasado.
Essa rede de TV adora se apresentar como referência da cultura brasileira,
como se para obter sucesso e reconhecimento, os produtores culturais
devessem adaptar-se ao seu "padrão de qualidade”, ou seja, descaracterizar
suas obras em prol de um modelo previamente definido no qual o valor crítico
da produção artística é dispensável.
Por isso, e por diversas outras razões, podemos afirmar que ou o povo
brasileiro acaba com a rede Globo, ou ela acaba com o povo brasileiro...
Ficha Técnica:
Filme: “Muito além do cidadão Kane”
Gênero: documentário
Direção e roteiro: Simon Hartog
Co-produção : John Ellis
Ano: 1993

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