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Sebastião Salgado

“Se as tuas fotos não são suficientemente boas, é porque não estás suficientemente perto”

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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Resenha: o Amor Wladimir Maicovski


O Amor

Talvez
Quem sabe
Um dia
Por uma alameda
Do zoológico
Ela também chegará
Ela que também
Amava os animais
Entrará sorridente
Assim como está
Na foto sobre a mesa

Ela é tão bonita
Ela é tão bonita
Que na certa
Eles a ressuscitarão
O século trinta vencerá
O coração destroçado já
Pelas mesquinharias

Agora vamos alcançar
Tudo o que não
Podemos amar na vida
Com o estrelar
Das noites inumeráveis

Ressuscita-me
Ainda
Que mais não seja
Porque sou poeta
E ansiava o futuro



Ressuscita-me
Lutando
Contra as misérias
Do cotidiano
Ressuscita-me por isso

Ressuscita-me
Quero acabar de viver
O que me cabe
Minha vida
Para que não mais
Existam amores servis

Ressuscita-me
Para que ninguém mais
Tenha de sacrificar-se
Por uma casa
Um buraco

Ressuscita-me
Para que a partir de hoje
A partir de hoje
A família se transforme

E o pai
Seja pelo menos
O Universo
E a mãe
Seja no mínimo
A Terra
A Terra
A Terra


Música de Caetano Veloso na voz de Gal Costa, inspirada por poema de Wladimir Maiacovski parte da peça teatral "O Percevejo".
 Um poema que representa a obra e os significados histórico e literário de Wladimir Maiakovski.
Porém, como a tradução de qualquer documento interpreta seu significado, selecionamos um trecho de obra traduzida e encenada, que ousou realizar alguns dos princípios político-artísticos do autor: a proximidade com o público,a interação com este, a urgência dos temas, a esperança nas realizações objetivas e subjetivas da humanidade.

A peça O percevejo — escrita em 1928, representa de forma satírica as contradições políticas que caracterizavam a Revolução russa.
Na obra, a linguagem militante de Maiakóvski abandona o louvor à Revolução e adota uma ácida e pertinente crítica ao regime que se instalava sob o comando de Josef Stalin, o poema "o Amor" é antes de tudo uma tese sob a condição humana, oprimida pelos descaminhos da política soviética.
Ernesto "Che" Guevara certa vez disse que "o revolucionário é movido por sentimentos de amor". Essa premissa é explorada em toda a sua complexidade na poesia de Maiacovski, interpretada por Gal Costa.
A música foi parte da montagem encenada no Brasil em 1981 sob a direção de Luís Antônio Martinez Corrêa, ícone da dramaturgia brasileira. Neste momento histórico, a crítica ao autoritarismo era uma necessidade da produção artística brasileira, a estética modernista encontrara mais um terreno fértil.
Problematização do conteúdo
Maicovski era contrário ao "stalinismo" porque era contrário ao "czarismo". Essa idéia faz muito sentido hoje, mas custou-lhe a vida na Rússia de 1930.
O poeta russo viveu o mais complexo processo histórico de seu tempo, a Revolução de 1917, sua biografia se confunde com a própria história da Rússia, viveu-a de forma apaixonada, adentrando todas as portas que se abriam, experimentando um novo mundo que se queria criar.
Morreu "suicidado" pela decepção, pela degeneração autocrática, pelo autoritarismo que contrariava a essência da sua causa . A revolução, ou a deturpação desta, criara um monstro que também o engolira.
Ressuscita no amor pelos "bons combates", na luta por justiça, na dignidade do sonho, na coragem da crítica, no humanismo verdadeiramente revolucionário.
A beleza, da revolução e do amor, é entendida como o alimento de uma suposta utopia, que ressuscitará cedo ou tarde tornando-se real. A esperança na superação da miséria e de todas as formas de opressão existe, portanto, de uma forma quase religiosa, baseia-se numa profunda fé no ser humano, mesmo que este viva em zoológicos sociais...