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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Resenha : Germinal

O romance GerminaI, de Emile Zola, é considerado por muitos críticos literários, a obra fundamental do chamado naturalismo, no qual a estética realista se volta para a concepção de uma “história natural” dos seres e das sociedades.
A busca da “natureza” é uma escolha radical, pois pressupõe a procura da essência, de um “eu profundo”, que vive em luta constante entre o instinto e a moral, entre as necessidades humanas e a realidade social.
O livro retrata um conjunto de situações cruéis e desumanas, nos questionando: onde estão as monstruosidades? Na obra de Zola ou na miséria do mundo real?
Na obra, é possível perceber influências de algumas das mais importantes idéias do período em que foi escrita, como por exemplo: o materialismo de Karl Marx e a Teoria da Evolução das Espécies de Charles Darwim. Seja pela transformação econômica como combustível da história, do primeiro; seja pelo processo de seleção natural, como sentido da existência biológica, do segundo.
O título faz menção ao sétimo mês do calendário revolucionário francês, equivalente ao período entre 21 de março a 19 de abril do calendário gregoriano, quando se inicia a primavera no hemisfério norte. Podemos com isso, reforçar a idéia de que a realização do livro representava a esperança do autor em uma nova era para a humanidade.
Germinal é um livro escrito na França durante segunda metade do século 19. O processo de industrialização caminhava a passos largos, máquinas passavam a impor seu ritmo aos seres humanos.
A reprodução do capital, a intensificação da vida urbana, os avanços tecnológicos e a super – exploração dos operários, transformavam a sociedade em uma escala nunca antes vista e tornaram-se temas centrais em diversos escritos filosóficos, políticos e literários.
Intelectuais tentavam desenvolver métodos para a compreensão da realidade histórica, fundamentavam-se assim, ciências sociais como a sociologia e a antropologia.
Politicamente, a França oscilava entre as restaurações da monarquia e períodos republicanos. Esta instabilidade era conseqüência da adequação da tradição revolucionária às necessidades capitalistas propriamente ditas. Este processo foi identificado por Marx* como bonapartismo e consiste basicamente em uma aliança entre a aristocracia sobrevivente e a alta burguesia, com o “aburguesamento ” de uma e o “enobrecimento” da outra.
Os trabalhadores formavam suas organizações de classe, e realizavam ações de luta que, como visto em 1848 e na Comuna de Paris, representavam uma possibilidade real de radicalização das idéias jacobinas.
Era a “primavera dos povos” na terra da revolução de 1789. Germinal é um registro dessa época.
Biógrafos de Emile Zola afirmam que ele empregou-se numa mina de carvão onde vivenciou a realidade descrita em Germinal , utilizando-se assim, de um método semelhante ao de ciências sociais. Essa atitude, por vezes considerada romântica, parece ter deixado no autor uma perspectiva cética e um tanto niilista que perpassa o livro.
Os embates entre os personagens representam os valores das diferentes classes sociais, suas noções de mundo e seu papel diante da industrialização.
Entre os trabalhadores há aqueles completamente “animalizados” pela miséria, castigados pela fome, incapazes de vislumbrar algo mais do que uma simples refeição. Mas há também os que integram-se ao afluxo das lutas operárias da época, que querem o fim da exploração e o querem imediatamente.
Nas representações destes, são descritas as disputas entre as mais diversas tendências político-ideológicas daquele período, e que de certa forma, ainda estão presentes .
Os discursos de classe e mesmo a complexidade dos perfis psicológicos, aprofundam a crítica à um nível de radicalismo muito mais complexo do que o simples maniqueísmo. Sua perspectiva não se encerra numa questão dualista de oprimidos (“bons”) e opressores (“maus”). Vemos sim, a diferenciação entre os feios e os horríveis. Entre os que com seus erros conservam o capitalismo; e os que com seus acertos, o alimentam.
Um dos protagonistas, Etienne Lantier, identificado por estudiosos com o próprio autor, talvez represente um protótipo de quadro político, disposto a dedicar o melhor de suas forças em prol da organização e do socialismo.
Contudo, este parece desconhecer a essência das relações sociais, as dificuldades enfrentadas entre seus próprios companheiros são maiores do que sua capacidade de compreensão. Etienne aprende a duras penas, que a história não é feita de intenções. Sua decepção é a decepção de um revolucionário, com a própria identidade ideológica.
Por que a greve descrita no livro foi derrotada? Como aprimorar os métodos de organização e luta? Que ferramentas teóricas são apropriadas para a compreensão da realidade? Que caminhos devemos seguir, rumo à libertação da humanidade? Pergunta-se um militante social que entra em contato com a obra.
Germinal coloca a esquerda diante do espelho e não mostra a imagem que a esquerda gostaria.
A cena dos trabalhadores soterrados é uma metáfora da própria consciência de classe, vítima da exploração e do sectarismo, mas ao mesmo tempo semeada nas profundezas da alma operária, buscando uma forma de germinar.


*O 18 Brumário de Luís Bonaparte
Ficha Técnica
Tipo: Livro
Gênero: Literatura
Título: Germinal
Autor: Emile Zola
Tradução: Francisco Bittencourt
Editora: Círculo do Livro S.A. 1976

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